O bairro da Boa Vista

O Recife nas décadas de 50 e 60 passava por grandes modificações principalmente na arquitetura, tendo grandes influências da França com as ideias de Le Corbusier e as inovações art déco. No início do século XX o Bairro sofre profundas modificações onde o processo de urbanização aumenta, atingindo em cheio a estética do bairro, como também a mentalidade das pessoas. O Recife e o Bairro da Boa Vista deveriam mostrar a todo o país que era moderno. Nesse mesmo período se observa um grande êxodo da população em direção às novas povoações nos subúrbios da cidade, onde se criavam Estradas, novos mercados, postos de saúde e grupos escolares, enquanto a iniciativa privada providenciava o sistema de transporte e de abastecimento da cidade.
Sigismundo Gonçalves, Governador desta época, promoveu diversas reformas no bairro como o alargamento da Rua Sete de Setembro e da Rua do Hospício, o calçamento da Rua da Imperatriz, o novo ajardinamento da Praça Maciel Pinheiro e o beneficiamento do Caminho Novo, atual Conde da Boa Vista. Essas mudanças feitas pelo poder público ou pela iniciativa privada deram às devidas respostas as demandas do novo Recife. No ano de 1909 é convidado o então sanitarista Saturnino de Brito para executar os trabalhos de saneamento do Recife e esse projeto se inicia na cidade em 1910. A partir desse momento a cidade perde a sua aparência colonial e passa a ter o desenho de uma cidade moderna, tendo largas avenidas bem no estilo Paris de ser, o que implicou em algumas destruições de marcos histórico como o cais, os arcos de Santo Antônio e da Conceição e sobrados coloniais, para dar lugar à construção de edifícios modernos. Como consequência há uma evasão dos moradores antigos e, desta forma, são estabelecidos os mocambos que configurariam o grande contraponto à nova paisagem do bairro no século XX. Esse novo Plano de Saneamento do Recife serviu como um marco na história do urbanismo e do paisagismo da cidade como um todo, onde começou a se definir os espaços livres destinados a parques e praças, prevendo a expansão da cidade segundo uma orientação voltada à higiene, ao conforto e a estética.
Edif. Pirapama (1956)
Edif. Barão do Rio Branco (1968)
Nesta época foi quando existiu uma das principais transformações no bairro, além da pavimentação e melhoria de algumas vias, tivemos a abertura da Rua José de Alencar e Marquês do Amorim, com o loteamento do sítio que ainda existente na região, onde os novos edifícios construídos vieram dar uma nova concepção para uso e formas já existentes no bairro. Com o decorrer dos anos e aumento da atividade comercial, as casas localizadas no bairro deixaram de ser bem-vistas como moradia para a classe média existente e fazendo com que procurassem cada vez mais os novos empreendimentos imobiliários da cidade, dando como exemplo o mais novo e moderno bairro do Derby, já para a classe de pouca renda, entretanto, as tais casas ainda eram muito atrativas, justificando assim a uma mudança no quadro habitacional do bairro e no seu nível de renda.  Com a influência da “Belle Époque” ocorre não só mudanças arquitetônicas, como também mudanças na postura e na forma de pensar das pessoas. Começou e investigar quais seriam as necessidades que deveriam ser utilizadas por essa nova civilização e com isso se vê nesse período a necessidade de expulsão dos bêbados, desocupados, ambulantes, loucos e prostitutas do centro do Recife, pois se queria dar um ar moderno e acreditava que estes desocupados manchariam a reputação e imagem da cidade. O advento da modernidade exigia pessoas mais educadas e que se comportassem de maneira “correta” e “decente” perante a sociedade.
Portanto o bairro como a própria cidade do Recife teve grandes mudanças influenciadas pelas características da modernidade que se vingava no Brasil nesse período, principalmente no que diz respeito às novas formas de construção, influenciadas por Lúcio Costa, Luiz Nunes, e outros grandes nomes da arquitetura nacional, e que se fortaleceu por aqui entre os anos 50 a 70, através dos arquitetos Acácio Gil Borsoi e Delfim Amorim, como demonstrado no artigo anterior.
A falta de preservação e manutenção desse patrimônio é acabar de vez com uma parte importante da nossa história, não se deve utilizá-lo só como base de estudos, mas é necessário que a população esteja ciente da importância destes bens para que possamos salvá-los e resguardá-los. A sua preservação é a nossa identidade como povo brasileiro e pernambucano.

Referências
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Arquitetura Moderna em Pernambuco entre 1945-1970.

Os principais arquitetos que atuam em Pernambuco nesse período são Acácio Gil Borsoi (formado em 1949 na FNA) e Delfim Fernandes Amorim (formado na Escola do Porto em 1947). Ambos ensinaram na Escola de Belas Artes de Pernambuco e são responsáveis pela formação dos principais arquitetos que atuam nas capitais do Nordeste.
Nos anos 50, Borsoi influenciado pelos mestres cariocas (Oscar Niemeyer e Lúcio Costa), é o principal representante em Pernambuco dessa escola carioca, já Delfim Fernandes Amorim, tendo emigrado ainda sob influência tardia do racionalismo moderno de origem corbusieriana é levado pela Arquitetura Moderna Brasileira. Contudo, ambos nesse período buscam relações mais estreitas com o meio e a cultura local. No final da década, os mestres tomam caminhos distintos e individuais: Acácio Gil Borsoi envereda por expressões brutalistas adequadas ao clima tropical e aos materiais regionais; ao passo que Delfim Amorim desenvolve um verdadeiro tipo de casas unifamiliares com telhados em laje de concreto pouco inclinadas cobertas com telhas cerâmicas. Os arquitetos pernambucanos: Vital Pessoa de Melo, Reginaldo Esteves, Waldecy Fernandes Pinto, Marcos Domingues da Silva, Jarbas Guimarães, Wandenkolk Tinoco e outros projetam exemplares das casas de Amorim, que se tornou uma marca registrada da arquitetura pernambucana entre aproximadamente 1962-1966. Portanto, o tipo inspirado na casa rural do período colonial disseminou-se em Recife ganhando sua versão regional, mais leve, com varandas, amplos telhados e generosos beirais. Esta tendência transforma-se quase em uma moda nesse período.
Em meados dos anos 60, alguns arquitetos pernambucanos buscam novos paradigmas e uma relação mais próxima ao brutalismo internacional. Acácio Gil Borsoi introduz esses elementos de expressão brutalista em suas obras, fruto do contato direto com a arquitetura inglesa, escandinava e americana. Os edifícios Santo Antônio (1960) e Guajirú (1962) são pioneiros nesta linguagem. Delfim Fernandes Amorim em conjunto com Marcos Domingues, Florismundo Lins e Carlos Corrêa Lima também incorpora elementos desta linguagem no Seminário Regional do Nordeste (1962). Quando alia a estética brutalista à liberdade formal da Arquitetura Brasileira. Outros seguidores dessa nova tendência são arquitetos que compõem uma nova geração (1968): Glauco Campello, Armando Holanda, Wandenkolk Walter Tinoco, Hélvio Polito, Vital Pessoa de Melo, Frank Svenson e Marcos Domingues da Silva, entre outros.

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Delfim Fernandes Amorim
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Acácio Gil Borsoi
Tanto na obra de Acácio Gil Borsoi como na obra tardia de Delfim Amorim evidenciam-se as expressões brutalistas: os jogos de volumes e recortes são explorados segundo diferentes funções, assim como as cobertas extremamente inclinadas contrastando com as cobertas horizontais, a busca de expressividade nos elementos estruturais e construtivos tais como pilares, vigas, gárgulas, caixas d’água, plasticamente explorados através do uso do concreto aparente; a utilização dos materiais rústicos e naturais tais como o tijolo cerâmico, a madeira, a pedra, superfícies revestidas de azulejos ou por pastilhas. O respeito aos rigores do clima tropical está presente na utilização dos peitoris e bandeiras ventiladas, de esquadrias com venezianas em madeira rústica, de elementos vazados sabiamente explorados e de grandes beirais. Os telhados bruscamente inclinados cobertos com telhados cerâmicas ou de fibrocimento contrastam com as lajes planas em concreto armado ou com as cobertas planas em estruturas de madeira com telhas de cimento amianto. Essas produções são importantes no âmbito nacional devido às suas semelhanças aos modelos paradigmáticos da Arquitetura Moderna Brasileira, estes exemplares urgem de atitudes mais enfáticas no campo da preservação uma vez são importantes documentos de nossa identidade regional. É provável que esses princípios arquitetônicos, tecnológicos e sociais não sejam suficientes para fundamentar uma escola autóctone e autônoma, mas demonstra claramente que existiu uma tentativa de se criar dentro da arquitetura nacional uma tendência que marcasse o regionalismo local. Evidentemente, esta não é uma pesquisa conclusiva na qual se busca atingir verdades incontestáveis, mas é uma discussão inicial que aborda o tema de forma exploratória e se enriquece pela geração de novos questionamentos.
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Hino oficial da cidade do Recife